sábado, 14 de fevereiro de 2009

Falamos em Sala de Aula - Edgar Morin


Na aula do dia 14-02-09, o nome de Edgar Morin e seu trabalho sobre a teoria da complexidade foi bastante citado. Segue uma entrevista concedida ao programa Roda Viva por este grande pensador:

Edgar Morin
18/12/2000
Um dos principais expoentes do pensamento mundial, Edgar Morin defende a desfragmentação do conhecimento e a união entre a ciência e o humanismo

Heródoto Barbeiro: Olá, boa noite. Ele diz que o sistema de educação não produz apenas conhecimento e elucidação. Produz também ignorância e cegueira. A educação dominante troca o todo pela parte, separa os objetos do conhecimento de seu contexto, fragmentando o mundo, fracionando os problemas e impedindo as pessoas que tenham uma compreensão melhor da realidade. São idéias do filósofo, sociólogo, antropólogo e historiador francês, Edgar Morin, que o Roda Viva entrevista esta noite. Nascido em Paris, onde cresceu e estudou e construiu uma rica carreira acadêmica, Edgar Morin, um dos mais importantes e polêmicos intelectuais europeus, é diretor do Centro Nacional de Pesquisa Científica de Paris, é também fundador do Centro de Estudos Transdisciplinares da Escola de Altos Estudos Sociais de Paris, presidente da Agência Européia para a Cultura junto à Unesco, em Paris, e presidente da Associação para o Pensamento Complexo. Em sua obra, que já passa de meia centena de livros, Edgar Morin insiste que a reforma do pensamento é uma necessidade-chave da sociedade. É a reforma do pensamento que permitiria o pleno emprego da inteligência, de forma que os cidadãos possam realmente entender e enfrentar os problemas contemporâneos. É a idéia de um pensamento não-fragmentado. A idéias de que o homem, ao analisar a vida e o mundo, perceba tudo o que está a sua volta e assim construa um entendimento melhor e mais abrangente a respeito dos problemas da humanidade. Para entrevistar Edgar Morin, nós convidamos Carlos Haag, o editor do caderno de cultura do jornal Valor [Valor Econômico]; o médico psicoterapeuta Humberto Mariotti, coordenador do grupo de complexidade e pensamento sistêmico da Associação Palas Athena, de São Paulo; a crítica literária Nely Novaes Coelho, do suplemento de Cultura do jornal O Estado de S. Paulo e professora de pós-graduação em literatura portuguesa e brasileira da USP; a jornalista Neide Duarte, do programa Caminhos e Parcerias, da TV Cultura, de São Paulo; o sociólogo Danilo Miranda, diretor regional do Sesc/SP; o jornalista Manoel da Costa Pinto, editor da revista Cult e o antropólogo Edgard de Assis Carvalho, da PUC/SP. Como o programa está sendo gravado, não será possível a participação dos telespectadores. Dr. Morin, boa noite.

Edgar Morin: Boa noite.

Heródoto Barbeiro: Dr. Morin, eu gostaria que, inicialmente, o senhor fizesse um comentário a respeito de um artigo que o senhor escreveu na imprensa francesa - provavelmente no jornal Le Monde - em que o senhor saudava uma série de manifestações que aconteceram em Seattle, nos Estados Unidos, quando os países ricos lá se reuniram. E o senhor dizia que, nesta manifestação, a reação ao globalismo não se faz com parte dos políticos, não se faz com sindicatos, mas se faz com as ONGs, as organizações não-governamentais. Eu gostaria que o senhor nos dissesse qual a importância, nesse mundo global, das organizações não-governamentais. São elas que vão representar o cidadão, na opinião do senhor?

Edgar Morin: Eu acho que muitas organizações não-governamentais são, por assim dizer, a vanguarda de uma cidadania terrestre. Porque a tomada de consciência dos problemas universais é algo que se impõe, sobretudo, porque há uma tendência no mundo que leva cada nação, cada província a se fechar em seus próprios pontos de vista. As organizações não-governamentais como a Anistia Internacional, que defende os direitos humanos, seja qual for o regime do país, organizações como a Greenpeace, defensoras da biosfera em todo lugar, organizações como a Survival International, defensoras dos povos menores ameaçados em todo lugar, não só na Amazônia, mas na Ásia e outras regiões, associações de mulheres, associações diversas desempenham um papel extremamente útil. Não sou contra partidos políticos ou sindicatos, mas hoje existem formas de ação espontânea que revelaram sua eficiência, particularmente, em Seattle. Acho que o que aconteceu em Seattle é que, com relação ao desenfreio, digamos, o desenfreio desta economia guiada por multinacionais e que tende a homogeneizar o mundo tende a desagradar não somente à natureza, mas também às culturas locais e regionais, a resposta não podia ser apenas local, de reclusão. Era preciso que as diversas culturas ameaçadas se encontrassem e se unissem. E, para mim, Seattle foi interessante, pois, pela primeira vez, entendeu-se que um problema mundial pedia uma resposta mundial. É claro, os que se reuniram tanto na conferência oficial tinham divergências profundas entre asiáticos, europeus e americanos, como os que estavam na reunião não-oficial não tinham exatamente os mesmos pontos de vista. De fato, é muito difícil conciliar os interesses dos africanos, dos agricultores americanos, dos... franceses, que criam cabras e fazem queijo Roquefort, mas eles compreenderam que deviam, juntos, defender as culturas. Na minha opinião, a ligação entre o regional e o mundial é importante. O mundo não pode ser algo que comporte uma civilização homogênea para todos. E na minha opinião é, ao mesmo tempo, uma defesa da qualidade de vida. A qualidade de vida é ameaçada por... Vimos isto com doença da vaca louca, que significa que um certo alimento feito com resíduos de ossadas é uma doença que contamina e provocou esse mal. Temos o mesmo problema em outros campos. E acho que a defesa conjunta da vida... porque a política é uma coisa importante, mas, digamos, para a sobrevivência. Quando há fome, pobreza, é preciso ajudar os seres humanos a sobreviver. Mas não basta sobreviver, é preciso viver. São duas coisas diferentes. Viver é poder gozar a vida. Gozar a vida não é apenas gozar da liberdade, do amor, da amizade, das festas, jogos, mas também gozar da comida, do bom vinho, das caipirinhas [risos]. Mas, na minha opinião, sabemos que, doravante, a defesa da qualidade de vida é também ligada à defesa das culturas e, ao mesmo tempo, à idéia de uma globalização, não apenas econômica, e sim de outra globalização.


Veja a continuação da entrevista em http://www.rodaviva.fapesp.br/


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