domingo, 15 de fevereiro de 2009

Para ler e refletir - Política ambiental brasileira: o que mudou



Política ambiental brasileira: o que mudou

O Fórum Social Mundial contou com a participação ativa dos ministros do Meio Ambiente do governo Lula, Marina Silva e Carlos Minc. É inevitável a gente se perguntar sobre o que afinal mudou, de um ministro para outro, na política ambiental brasileira.

Celso S. Bredariol*

O Fórum Social Mundial contou com a participação ativa dos ministros do Meio Ambiente do governo Lula. Marina Silva participou de mesas do Fórum Mundial de Educação, de Justiça Ambiental e sobre o abuso de adolescentes, sempre voltada para a construção da militância. Carlos Minc visitou o navio do Greenpeace para discutir desmatamento e participou de mesas sobre Mudanças Climáticas e Amazônia Sustentável, trazendo posições de governo. É inevitável a gente se perguntar sobre o que afinal mudou, de um ministro para outro, na política ambiental brasileira.

Ambos têm histórias de vida admiráveis. A primeira, de aluna do Mobral a militante com Chico Mendes das causas dos seringueiros até se tornar senadora da República e ministra. O segundo, de militante secundarista contra a ditadura, exilado, ecologista, deputado estadual por mais de vinte anos se dedicando a causas ecológicas e libertárias, até chegar a ministro de Estado. O que fazem ou fizeram de diferente na política ambiental?

Primeiro é preciso situar que no período da ditadura, a política ambiental se destacou pela criação de áreas protegidas e pela estruturação do Sistema Nacional do Meio Ambiente, o SISNAMA. No período FHC a política avançou na legislação (foram criadas diversas leis como as de Recursos Hídricos, Unidades de Conservação, Crimes Ambientais e outras) e se esvaziou pelo sucateamento do SISNAMA.

A entrada de Marina Silva no Ministério do Meio Ambiente é marcada por propostas de resgate de Sistema Ambiental (Fortalecendo o SISNAMA foi o tema da primeira Conferência Nacional do Meio Ambiente), de combate à corrupção na administração ambiental através da Operação Corrupira com a Polícia Federal, do monitoramento do desmatamento através de Convênio com o INPE- Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, de concurso para o IBAMA e do licenciamento criterioso até dos investimentos do próprio governo. Mas o trabalho de Marina se destacou, principalmente, pelo enfrentamento de conflitos, como na questão dos transgênicos.

Numa segunda etapa da sua gestão, o foco da política se volta para a questão do combate ao desmatamento e para a proposta da exploração sustentável das florestas. A lei de florestas propõe a licitação de áreas públicas para a exploração sustentável de madeira, evitando a vinculação do desmatamento à apropriação de terras públicas. Marina se desgastou no governo pela acusação de demora no licenciamento de investimentos do governo (a ministra dos bagres) e pela disputa da gestão do Plano Amazônia Sustentável com o ministro Mangabeira Ungler. É impossível, resumir em um parágrafo, cinco anos de uma gestão, mas apontei os pontos principais que marcaram a presença de Marina Silva no governo.

Carlos Minc foi surpreendido pelo convite para ocupar o ministério. Falou demais ou até não soube o que dizer, num primeiro momento, mas identificou claramente as aspirações de mudança do governo. Para o licenciamento de atividades poluidoras, principalmente as de governo, ele mudou a estratégia, dando licenças em menor tempo, mas sobrecarregadas de exigências de monitoramento, mitigação e compensação de impactos ambientais. Se vão ser cumpridas ou não, é uma coisa para mais adiante, mas são compromissos que poderão ser cobrados pelo Ministério Público, pela Justiça e pela Sociedade.

No combate ao desmatamento, identificou os seus principais agentes e organizou operações de derrubada de fornos de carvão, apreensão de madeira, gado e soja. Num primeiro momento, ficou o impasse, o que fazer com esses bois, grãos e toras? Para sair dessa, o governo editou um decreto de regulamentação da Lei de Crimes Ambientais, dando ao IBAMA, poderes de destinar produtos apreendidos em operações de combate a crimes ambientais, sem necessidade de autorização judicial e, ao mesmo tempo, reduzindo as instâncias e prazos para recursos de multas. Ainda na fiscalização, abriu 85 ações civis públicas contra empresas e fazendeiros acusados de desmatar a Amazônia.

O sentido dessas operações foi de atingir a atividade econômica no que ela tem de valor. A prática anterior, de aplicação de multas que eram contestadas e não pagas, tinha resultados pouco expressivos, tanto econômicos quanto políticos. A partir das apreensões, abriram-se foros de discussão com setores empresariais para o estabelecimento de pactos setoriais de sustentabilidade e exigências para a certificação de produtos.

Ainda na linha da sustentabilidade, foi estabelecida uma política de preços mínimos para produtos extrativistas, contemplando populações tradicionais, diretamente interessadas na preservação das florestas. As taxas de desmatamento têm caído, mas ainda é cedo para afirmar que seja em decorrência de ações de governo. A crise econômica tem reduzido encomendas de madeira por parte da indústria de construção nos Estados Unidos, uma grande compradora de madeira.

A terceira grande mudança se refere ao lançamento do Plano Nacional sobre Mudanças Climáticas com objetivos, dentre outros, de mitigar emissões, manter elevada a participação de renováveis na matriz energética, aumentar a participação de biocombustíveis, reduzir o desmatamento, eliminar a perda líquida de florestas até 2015, reduzir a vulnerabilidade de populações, identificar impactos da mudança climática e a pesquisa científica. O lançamento desse plano permitiu a mudança de posição do Brasil em foros internacionais como o de Poznan, na Polônia, onde o país não foi mais com posições defensivas ou descomprometidas com ações de mitigação e redução de emissões. A meta de reduzir os índices de desmatamento em 70% até 2018 equivale a deixar de emitir 4,8 bilhões de toneladas de dióxido de carbono.

Outras iniciativas estão em desenvolvimento como a criação do Fundo Amazônia para captação de recursos nacionais e internacionais, o zoneamento econômico ecológico, o ecoturismo, recursos hídricos, o programa de combate à desertificação com foco na caatinga, tendo o Nordeste com a principal região sujeita a efeitos de Mudanças Climáticas. No Plano da Amazônia Sustentável, o Ministério do Meio Ambiente passou a ter uma participação mais efetiva, já que o ministério titular da gestão do plano se concentrou na questão fundiária.

A passagem de um ministro a outro demonstra uma situação de continuidade e mudança. Na verdade, as operações de apreensão não teriam sido possíveis se não tivesse havido o concurso do IBAMA e o combate à corrupção. Mudanças Climáticas foi tema da última Conferência Nacional do Meio Ambiente, preparando o lançamento de um plano. Mudou o sentido da fiscalização, se tornando um bater forte para negociar ajustes. Mudou o Licenciamento, ganhando agilidade.

O Fórum Social Mundial vem discutindo essa política através de câmaras setoriais, especialmente os investimentos em hidrelétricas na Amazônia com ameaça de destruição de etnias e o impacto dos biocombustíveis sobre a segurança alimentar. Também os trabalhadores estão discutindo as mudanças climáticas. Esperemos pelas recomendações do FSM. Vamos ter que fazer um fórum só com os ministros.

*Celso S. Bredariol é Engenheiro Agrônomo pela UFRRJ, Ms em Educação pela FGV com tese sobre Ecodesenvolvimento e Educação Ambiental, DsC em Planejamento Ambiental pelo PPE-COPPE-UFRJ com tese sobre Negociação de Conflitos Ambientais.

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