domingo, 8 de fevereiro de 2009

Os Donos do Poder gerar



Os Donos do Poder gerar*

Resenha do texto: FAORO, Raymundo. (1979). Os Donos do Poder: Formação do Patronato Político Brasileiro. (vls.1 e 2). Porto Alegre: Ed. Globo.

Por: Sabrina Evangelista Medeiros

Em novembro de 2000, Raymundo Faoro, aos 75 anos, fora eleito para a cadeira de número 6 da Academia Brasileira de Letras – ABL (antes de Barbosa Lima Sobrinho, que morreu recentemente). Um dos maiores motivos para a sua eleição e conseqüente vitória foi a sua mais importante obra, Os Donos do Poder, de 1958. Três anos depois, foi vítima de enfisema pulmonar e morreu. Apesar de tamanho prestígio, ao longo de sua carreira o jurista Raymundo Faoro recebeu críticas contundentes de gerações e espectros diferentes da intelectualidade e da política, que não deixaram de concordar sobre a relevância para a história e pensamento político brasileiro de suas obras.
Particularmente, o marco maior de Os Donos do Poder seria a ansiedade de tratar, com detalhes, tamanha história brasileira (desde as origens do Estado Português colonizador) afastando-se das interpretações marxistas, então em voga na intelectualidade. Talvez pela intensidade de suas análises, rigorosamente combatidas pela esquerda que acusava-o de ser um radical liberal, Raymundo Faoro pôde ser tão lido e respeitado. Nesse sentido, Os Donos do Poder não ganhou também a simpatia da direita que, ao tempo do lançamento da obra, acreditava que o país estava vivendo um estágio avançado de capitalismo, com instituições sólidas e uma economia crescente; o que, finalmente, contrastava com o que Faoro escrevia sobre o perpetuamento do patrimonialismo no Brasil.
Os Donos do Poder é, por excelência, uma obra de mapeamento da evolução política do Brasil, desde a herança absolutista portuguesa - onde o Estado é analisado segundo a esfera de atuação dos ensejos pessoais do rei – até a República Velha e o Estado Autoritário Varguista – pelo qual permaneceram estreitos os laços entre a esfera pública (a burocracia) e a privada (o estamento que controla a primeira).
No prefácio da edição em análise nesta resenha, citando Montaigne, Faoro diz que seu ensaio permanecia inalterado segundo suas hipóteses e linhas centrais, e que o formato tinha sido apenas ajustado às suas concepções mais recentes. Reiterava dizendo que o conceitos básicos – como feudalismo, patrimonialismo e estamento burocrático - continuavam sob o enfoque anterior. E dizia ainda, defendendo-se de acusações diversas: “Advirta-se que este livro não segue (...) a linha de pensamento de Max Weber. (...) De outro lado, este ensaio se afasta do marxismo ortodoxo, sobretudo ao sustentar a autonomia de uma camada de poder, não diluída numa infra-estrutura esquemática, que daria conteúdo econômico a fatores de outra índole”.
Assim sendo, Raymundo Faoro confirma suas escolhas dando um tom de originalidade ao entendimento das instituições públicas brasileiras. Ao começar pela tríade proposta – feudalismo, estamento burocrático e patrimonialismo – cada um desses conceitos, seqüencialmente, conjuga o seguinte. Resumidamente (correndo o risco de ser simplista), o feudalismo constituiria a divisão social predominante da Idade Média que daria origem às conquistas políticas de um dos estamentos – considerados as divisões da sociedade segundo a posição não somente econômica mas, sobretudo, cultural (o status, prestígio) – sob a forma corporativa (burocrática) e, consequentemente, o usufruto deste estamento da esfera de atuação política (gerando os laços patrimonialistas nas instâncias do Estado).
O primeiro capítulo traça o que seriam as origens do Estado Português. Essencialmente, Faoro trata de, na qualidade de jurista, demonstrar as condições administrativas de que gozou o Estado Português ao se tornar um Estado formado pelo gerenciamento dos interesses de uma burguesia comercial ascendente, e não por relativa autonomia política de senhores feudais.
Em sua concepção história, assim, o feudalismo não teria existido em Portugal, a não ser pela sua condição de atenuante da divisão entre campo e cidade, e pela afirmação da divisão social em estamentos – o que prevaleceria na colonização e na administração do Brasil. Finalmente, aliados estes elementos – o comércio, a administração e o príncipe – o direito romano seria reapropriado, de forma a dar consistência política ao poder patrimonial do Estado Português.
Em seguida, parte para o bojo da explicação política, através da Revolução de Avis, para o que chamou de capitalismo monárquico – fundamentado no sistema de exploração econômica ultramarina. Na medida em que o Estado se criava com base no inchaço de servidores do sistema burocrático, o sistema político ia sendo afiado por um estamento particular balizado nas relações patriarcais entre dominadores e dominados.
Raimundo Faoro criou as condições teóricas para reafirmar os pressupostos ditos desde o início: os de que o capitalismo limitante patrimonialista não evoluiria, assim como constatado na crise de Portugal e do Estado Brasileiro, e que a modernização deveria ser calcada na liberalização política e econômica, dificultada no Brasil pelas heranças do estamento burocrático. Neste momento, a tendência de acreditar em uma modernização liberal deixa explícito seu entendimento de Estado como espaço de atuação de um estamento atrasado e como cerceador da liberdade do povo.
O Brasil até o Governo Geral e A Obra de Centralização Colonial aparecem como um mapeamento da invenção do sistema político da América, baseado na distribuição de terras, no predomínio do que chamou de conteúdo dominial sobre o administrativo. Assim, o feudalismo brasileiro ocasionaria na distribuição dos privilégios que acarretariam na formação de um Estado Soberano pelos seus atributos militares, centralistas, controladores. Juridicamente, o sistema propiciou a criação das sesmarias, do foral e das cartas de doação como formas de propiciar o capitalismo agrário dominado pela monarquia absolutista.
Em Traços Gerais da Organização Administrativa, Social e Econômico-Financeira da Colônia, A Reação Centralizadora e Monárquica e O Sistema Político do Segundo Reinado, Faoro trata de abordar as instâncias políticas pelas quais houve uma tendência à manutenção do centralismo; os primeiros conflitos entre as classes sociais; a luta entre o poder moderador e o poder parlamentar; a constituição da autoridade monárquica do Brasil Independente ainda baseado no estamento burocrático.
Com base na manutenção do sistema burocrático de privilégios, As Tendências Internas da República Velha, Mudança e Revolução e os Fundamentos Políticos, demonstram que o sistema político alimentado pela nova burguesia cafeeira continuou sob bases frágeis, na medida em que estendia os interesses do estamento burocrático para as políticas públicas a favor da manutenção da distância entre o povo e o Estado. O federalismo, que trouxe consigo a ideologia liberal, acabou por, paradoxalmente, consolidar o regionalismo coronelista e a política protecionista. O liberalismo, se executado em nome de interesses macroeconômicos não limitados pela burocracia estamental, teria tido a chance de fazer a Pátria prosperar. Faoro nos diz: “Com otimismo e confiança será conveniente entregar o indivíduo a si mesmo, na certeza de que o futuro aniquilará a miséria e corrigirá o atraso. No seio do liberalismo político vibra o liberalismo econômico, com a valorização da livre concorrência, da oferta e da procura, das trocas internacionais sem impedimentos artificiais e protecionistas”. (FAORO, 1979: 501).
Assentado no tradicionalismo das estruturas políticas, o patrimonialismo de Raymundo Faoro sinalizou a certeza de que falou, em entrevista em 1999 à Folha de São Paulo, de que o Estado poderia criar os inimigos que a democracia conheceu durante suas ditaduras, construídos através da existência de relações ambíguas entre pessoas e política, ofuscando a esfera de atuação pública e limitando-a a um estamento (im)próprio.

MEDEIROS, Sabrina Evangelista. Resenha do texto: Os Donos do Poder.Rio de Janeiro: Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, ano 2, n. 24, 2007. [ISSN 1981-3384]

Extraído do site: http://www.tempopresente.org

*material extra, leitura não obrigatória para as aulas.

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